Sobre os sentidos e os impactos dos recentes ataques aos direitos
dos trabalhadores: considerações sobre as MPs 664, 665, o PL 4330 e
a ADI 1923
Por: Wagner Miquéias F. Damasceno1
No dia 08 de março deste ano, Dia Internacional da Mulher, a
presidenta Dilma Rousseff fez um pronunciamento nacional marcado por
um contexto de crise econômica e crise política.
Dilma Roussef negou que o Governo atacara os direitos trabalhistas,
assim dizendo: “revisamos certas distorções em alguns benefícios,
preservando os direitos sagrados dos trabalhadores” (PLANALTO,
2015). Além disso, afirmou que o governo está dividindo a conta da
crise entre todos os setores da sociedade e que protege os mais
vulneráveis.
O Brasil tem todas as condições
de vencer estes problemas temporários - e esta vitória será ainda
mais rápida se todos nós nos unirmos neste enfrentamento. Peço a
vocês que nos unamos e que confiem na condução deste processo pelo
governo, pelo Congresso, e por todas as forças vivas do nosso país
- e uma delas é você! Queremos e sabemos como fazer isso,
distribuindo os esforços de maneira justa e suportável para todos.
Como sempre, protegendo de forma especial as classes trabalhadoras,
as classes médias e os setores mais vulneráveis (PLANALTO, 2015).
As Medidas Provisórias 664 e 665, anunciadas em 30 de dezembro de
2014, demonstram que, na prática, o governo federal tenta pôr a
conta da crise econômica nas costas dos trabalhadores e dos setores
mais vulneráveis da sociedade.
A MP 665 altera o acesso ao seguro-desemprego, ao abono salarial e ao
seguro-defeso de pescadores. Já a MP 664, altera as regras para a
obtenção da pensão por morte, do auxílio-doença e
auxílio-reclusão.
É importante reter os sentidos dessas MPs – que já estão em
vigor – considerando a quem se destinam2.
Sem receio, o governo, através da MP 665, ataca os desempregados,
ao alterar a carência para que o trabalhador tenha acesso ao seguro
desemprego, passando de 06 meses para 18 meses. Num país com
altíssimas taxas de rotatividade – onde 43,4% dos trabalhadores
formais são demitidos antes de completarem um ano de trabalho –,
os setores mais atingidos serão os jovens, as mulheres e os negros.
Eis o impacto dessa medida: “observa-se que o contingente de
trabalhadores que não teriam direito ao benefício do
seguro-desemprego aumentaria para 8,0 milhões [de pessoas], ou seja,
64,4% do total de desligados” (DIEESE, 2015).
A MP 665 altera, também, as regras para o abono salarial3:
“o benefício passa a ser pago aos trabalhadores que mantiveram
vínculo formal por no mínimo 180 dias [a legislação anterior
previa mínimo de 1 mês] ininterruptos no ano anterior ao do
anterior ao do pagamento pagamento” (DIEESE, 2015, p. 08). Além
disso, o valor do benefício passa a ser proporcional aos meses
trabalhados, quando antes era de 01 salário mínimo, independente do
número de meses trabalhados. Assim, a nova regra adotada através da
MP 665 reduz seu público alvo, excluindo aproximadamente
9,94 milhões de trabalhadores desse direito constitucional e pagando
ao restante um valor inferior ao que é pago atualmente (DIEESE,
2015).
A MP 665 também altera as regras para a obtenção do seguro defeso
(período de proibição da pesca para determinadas espécies),
restringindo a definição de pescador artesanal, tornando a
obtenção desse direito mais difícil. No dia 07 de maio a Câmara
aprovou, na íntegra a MP 665 que será, agora, remetida ao
Congresso.
Através da MP 664, o governo federal ataca os doentes,
as viúvas, os órfãos
e dependentes dos
presidiários ao alterar as regras para o auxílio-doença,
pensão por morte e auxílio-reclusão.
No primeiro caso, algumas alterações merecem destaque: o
auxílio-doença “passa a ser pago apenas após 30 dias de
afastamento, e não mais depois de 15 dias de licença médica”.
Além disso, “a perícia médica poderá ser realizada por meio de
convênios do INSS com empresas privadas ou com outros órgãos e
entidades públicas (esta medida entrou em vigor em 31/12/2014). Essa
é uma questão extremamente preocupante porque significa transferir
a perícia para as empresas, ou seja, na prática privatizar a
perícia” (DIEESE, 2015, p. 12, grifo nosso).
Já no tocante à pensão por morte, as alterações são as
seguintes: a criação da carência para obtenção do benefício;
estabelecendo, assim, uma “carência mínima de 24 contribuições
previdenciárias por parte do trabalhador falecido para que a família
receba o benefício; exceto em caso de acidente de trabalho seguido
de morte” (DIEESE, 2015, p. 12).
No caso do auxílio-reclusão, exige-se, como na pensão por morte,
o mínimo de dois anos de casamento ou (união estável) para que o
cônjuge do preso tenha acesso ao auxílio.
A
estimativa é que o governo economize, através dessas MPs, R$
18 bilhões.
Ou seja: pede aos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros para que suportem o sacrifício de uma crise econômica, mexendo em direitos importantes que não resolverão o problema econômico do país! Não obstante, as MPs expressam a iniquidade do capitalismo ao atacar os setores mais vulneráveis da sociedade.
Ou seja: pede aos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros para que suportem o sacrifício de uma crise econômica, mexendo em direitos importantes que não resolverão o problema econômico do país! Não obstante, as MPs expressam a iniquidade do capitalismo ao atacar os setores mais vulneráveis da sociedade.
Para
termos uma ideia do que esse valor significa: no ano passado, o
Governo Federal pagou R$ 1,356 trilhão,
a título de “juros” e “amortizações”, da Dívida Pública!
Uma dívida criminosa e impagável.
Os impactos da PL 4330
Para
o sociólogo Ruy Braga, a aprovação do Projeto de Lei 4330 se
configura no maior ataque aos trabalhadores desde o Golpe de 19644.
Somado às MPs 664 e 665, estaríamos diante de um projeto de reforma
trabalhista brasileira que o governo de FHC, do PSDB, tentou aprovar
nos anos de 1990.
O PL 4330 dispõe sobre o contrato de terceirização e as relações
de trabalho dele decorrentes5.
Chama-se terceirização o processo pelo qual uma empresa deixa de
executar uma ou mais atividades realizadas por trabalhadores
diretamente contratados transferindo a execução para outra empresa
(DIEESE, 2007). Para as pesquisadoras Graça Druck e Ângela Borges,
A terceirização pode ser
considerada como a principal política de gestão e organização do
trabalho no interior da reestruturação produtiva. Isso porque ela é
a forma mais visível da flexibilização do trabalho, pois
permite concretizar – no plano da atividade do trabalho – o que
mais tem sido propagado pelas estratégias empresarias e pelo
discurso empresarial: os ‘contratos flexíveis’. Leia-se:
contratos por tempo determinado, por tempo parcial, por tarefa ( por
empreita), por prestação de serviço, sem cobertura legal e sob
responsabilidade de ‘terceiros’. Transferir custos trabalhistas e
responsabilidades de gestão passa a ser um grande objetivo das
empresas mais modernas e mais bem situadas nos vários setores de
atividade, no que são seguidas pelas demais empresas. (2002, p.
112-113, grifo nosso).
No Brasil, a terceirização possui como principal óbice a
distinção entre atividade-fim e atividade-meio. No entanto, o PL
43306.
No entanto, o PL 4330 prevê a dissolução desse obstáculo já no
inciso segundo do Art. 2º, ao conceituar terceirização como “a
transferência feita pela contratante da execução de parcela de
qualquer de suas atividades à
contratada para que esta a realize na forma prevista nesta
Lei”.
Basicamente, a atividade-fim (expresso no texto como atividade
inerente) é aquela que faz parte do processo de produção do bem ou
serviço de uma empresa. Já a atividade-meio é a atividade que faz
parte do processo de apoio à produção do bem ou serviço da
empresa (DIEESE, 2007).
A implementação da PL 4330 significará, na prática, a
terceirização ampla e irrestrita no Brasil. Para Ruy Braga,
Temos que entender que a
terceirização é sobretudo uma estratégia empresarial que avança
prioritariamente sobre os direitos dos trabalhadores a fim de
explorá-los ainda mais. O salário médio dos trabalhadores
terceirizados é cerca de 36% menor, os acidentes de trabalho
concentram-se no setor terceirizado, 64% dos acidentes de trabalho
são em empresas ou atingem trabalhadores terceirizados. O baixo
investimento em qualificação, tudo isto faz com que você tenha a
terceirização como política empresarial prioritária. Então caso
esta porta seja aberta, sem dúvida alguma que as empresas farão
exatamente isto que desejam fazer, mas por barreiras legais não
foram capazes de implementar, ou seja, implementar o modelo da
terceirização e da flexibilidade total (2015).
Além
disso, a implementação desse projeto de lei afirmará uma tendência
de crescimento do trabalho terceirizado frente ao trabalho dito
primeirizado (de contratação direta pela empresa ou concurso
público). As consequências são inúmeras.
De
acordo com o estudo realizado pelo Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e pela Central Única
dos Trabalhadores (CUT), Terceirização
e Desenvolvimento: uma conta que não fecha,
há 12,7 milhões de trabalhadores terceirizados no país, perfazendo
26,8% do mercado de trabalho formal. Para o sociólogo Ruy Braga,
essa relação tenderá a se inverter a médio prazo. Ou seja: a
médio prazo, o número de trabalhadores terceirizados superará o
número de trabalhadores contratados diretamente7,
exercendo uma pressão negativa sobre os valores da força de
trabalho, que resultará no rebaixamento salarial e das condições
de vida do conjunto da classe trabalhadora.
Aqueles
que defendem a terceirização, em geral, fazem-no alegando as
necessidades de modernização impostas pela crescente especialização
no processo produtivo. Entretanto, segundo dados da Confederação
Nacional das Indústrias (CNI), 91% das empresas terceirizam parte de
seus processos para reduzir os custos de produção e apenas 2%
terceirizam por conta da especialização técnica (DIEESE; CUT,
2014).
Em
média, os trabalhadores terceirizados ganham 24,7% a menos do que os
trabalhadores contratados diretamente. Além disso, trabalham 03
horas semanais a mais (DIEESE; CUT, 2014).
Condições de
trabalho
|
Setores tipicamente
contratantes
|
Setores tipicamente
terceirizados
|
Diferença
Terceirizados/Contratante
|
Remuneração média
(R$)
|
2361,15
|
1776,78
|
-24,7
|
Jornada semanal
contratada (horas)
|
40
|
43
|
7,5
|
Tempo de emprego
(anos)
|
5,8
|
2,7
|
-53,5
|
Adaptada de
DIEESE e CUT (2014, p. 14).
É importante destacar, também, as implicações para a vida do
trabalhador tendo em vista que os trabalhadores terceirizados
apresentam maiores índices de acidentes e mortes no trabalho.
Segundo
dados da Previdência Social8,
no ano de 2012 foram registrados 705.239 acidentes de
trabalho no país. O crescimento dos acidentes de trabalho é
resultado da maior intensificação dos ritmos de produção e da
precarização das condições de trabalho.
Figura 1: Evolução
dos Acidentes de Trabalho (Ministério da Previdência Social)
O estudo realizado pelo DIEESE (2010) sobre o setor elétrico, intitulado Terceirização e morte no trabalho: um olhar sobre o setor elétrico brasileiro, aponta que o setor terceirizado apresenta taxas de mortalidade de 3,21 a 4,55 vezes maiores do que os trabalhadores diretos (primeirizados). Esta é, sem dúvida, a face mais cruel da terceirização.
Atualmente, o PL 4330 foi aprovado
pela Câmara dos Deputados Federais e prevê seu uso nas empresas
públicas e mistas. Submetido a apreciação no Senado Federal, é
designado como PLC 30/2015.
Supremo Tribunal Federal e ADI 1923
Soma-se a isso a apreciação, no dia 16 de abril deste ano, da Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1923 pelo Supremo Tribunal
Federal (STF). A ADI
“questionava a legalidade da Lei 9.637/98, que dispõe sobre a
qualificação de entidades como organizações sociais e a criação
do Programa Nacional de Publicização, bem como o inciso XXIV,
artigo 24, da Lei 8.666/93 (Lei das Licitações)” (ANDES-SN,
2015).
Ao considerar a validade parcial da ADI, o STF, possibilita que
entidades privadas como organizações sociais prestem serviços
públicos nas áreas de ensino, Pesquisa Científica, Desenvolvimento
Tecnológico, Meio Ambiente, Cultura e Saúde.
O Ministro Luiz
Fux votou julgando parcialmente procedente a ADI 1923 e assim se
pronunciou:
a
Constituição não exige que o Poder Público atue, nesses campos,
exclusivamente de forma direta. Pelo contrário, o texto
constitucional é expresso em afirmar que será válida a atuação
indireta, através do fomento, como o faz com setores particularmente
sensíveis como saúde (CF, art. 199, §2º, interpretado a contrario
sensu – “é vedada a destinação de recursos públicos para
auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins
lucrativos”) e educação (CF, art. 213 – “Os recursos públicos
serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a
escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em
lei, que: I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus
excedentes financeiros em educação; II - assegurem a destinação
de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou
confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas
atividades”), mas que se estende por identidade de razões a todos
os serviços sociais (2015, p. 18).
A ADI constituía-se na principal ação que questionava a
legalidade da lei 9.637/98.
Com sua validação parcial, o STF desobstruiu o caminho para a
realização da transferência da gestão de serviços públicos à
iniciativa privada.
Referências
ANDES-SN.
Decisão do STF permite contratação de professores federais por
Organização Social. Disponível
em:
<<http://www.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=7439>>.
Acesso em: 21 abr 2015.
BLOGCONVERGÊNCIA.
“Estamos na iminência da maior derrota da classe
trabalhadora desde a ditadura militar”.
Disponível em:
<<http://blogconvergencia.org/blogconvergencia/?p=4112>>.
Acesso em: 21 abr 2015.
BLOG DO PLANALTO. Pronunciamento da presidenta Dilma Roussef no
Dia Internacional da Mulher. Disponível em:
<<http://blog.planalto.gov.br/pronunciamento-da-presidenta-dilma-rousseff-no-dia-internacional-da-mulher/>>.
Acesso em: 21 abr 2015.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4330, de
2004. Disponível em:
<<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=267841>>.
Acesso em: 21 abr 2015.
DIEESE. Considerações
sobre as Medidas Provisórias 664 e 665 de 30 de dezembro de 2014.
Disponível em:
<<www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2015/subsidiosConsideracoesMPs664665.pdf>>.
Acesso em: 21 abr 2015.
DIEESE. O Processo de
Terceirização e seus efeitos sobre os trabalhadores no Brasil. São
Paulo: MTE, 2007.
DIEESE; CUT. Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não
fecha: dossiê acerca do impacto da terceirização sobre os
trabalhadores e propostas para garantir a igualdade de direitos. São
Paulo: CUT, 2014.
DIEESE. Terceirização e morte no trabalho: um olhar sobre o setor
elétrico brasileiro. Estudos e Pesquisas. São Paulo: DIEESE,
2010.
DRUCK,
Graça; BORGES, Ângela. Terceirização: balanço de uma década.
Cadernos CRH. Salvador: UFBA, n. 37, Jul./Dez. 2002, 111-139.
Notas
1Professor
da Coordenadoria Especial de Museologia da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC).
2Inspiro-me,
aqui, na avaliação feita pelo companheiro Paulo Barela, da
Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas.
3Benefício
concedido aos trabalhadores urbanos e rurais celetistas que recebam
remuneração mensal de até 2,5 salários mínimos.
5No
momento: a Câmara dos Deputados já aprovou o texto principal e,
até o momento, concentra-se nos destaques ao PL. Um dos pontos
suprimidos foi a aplicação da terceirização em atividades-fim em
empresas públicas.
6Após
sua aprovação, tornou-se PLC 30/2015:
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=164838&tp=1.
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